domingo, 19 de maio de 2013

Por um Brasil menos carcerário


Ele era um menino de ainda 10 anos. Não teve a presença de um pai ou de uma mãe em sua vida. Morava às vezes com a avó, às vezes com a tia, na periferia de São Paulo. Era mais um entre 41,90 milhões de habitantes (21,60% da população brasileira). Frequentava, obrigado, a escola pública da região. Em sua turma eram ele e mais quarenta colegas de classe. A professora tinha outras cinco turmas para cuidar e não dava conta. Ele ainda não sabia ler palavras inteiras, lia letra por letra, engasgadas no caminho. No dia em que teve pneumonia, sua avó percorreu tantos e tantos hospitais da região em busca de uma vaga de internamento nas pediatrias lotadas do sistema público de saúde, o SUS. Sua casa era feita de alvenaria, cheia de frestas, por onde o vento frio corria durante a noite. Ele se encolhia ao lado de mais três irmãos, que dividiam a cama no único cômodo da casa. Foi crescendo e, cedo, sentiu apertar a necessidade da vida. Fez uns bicos aqui e ali e logo entrou para o tráfico. Essa situação hipotética ilustra a realidade de inúmeros jovens brasileiros.


Terça-feira, 9 de abril de 2013. Victor Hugo Deppman, 19, jovem estudante universitário de classe média, é morto com um tiro na cabeça durante um assalto na porta de casa, no Belém, zona leste de São Paulo. O jovem foi abordado por volta das 21h na porta do edifício onde morava. Testemunhas disseram à polícia que um homem atirou contra o estudante, em um assalto. Em seguida, o suspeito fugiu na garupa de uma moto. Um adolescente, que completou 18 anos na sexta-feira seguinte, dia 12, é suspeito de ter cometido o crime. A ação foi registrada por uma câmera de segurança, que mostra que a vítima não reagiu. O disparo em direção à cabeça foi dado segundos após o jovem entregar o celular. Segundo a polícia, o suspeito só procurou a Vara da Infância e da Juventude, na companhia da mãe, após o irmão ter sido levado para a delegacia.

Todos os meses, brasileiros, frutos de um estado de injustiça social, cometem crimes como este. Muitos deles são menores de 18 anos, idade da maioridade penal nacional. Apenas 5% são mulheres, e o perfil desses jovens é o retrato do preconceito no Brasil: a maioria é negra e moradora da periferia de São Paulo e do interior. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 43% dos adolescentes infratores foram criados apenas pela mãe, e 17% pelos avós. 86% dos adolescentes que cumpriam internação declararam não ter concluído o ensino fundamental. E assim se dá a intersecção entre as duas histórias.

No Brasil, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dispõe sobre a proteção integral à parcela da população que tem até 18 anos de idade incompletos. Nela são assegurados os direitos fundamentais, mas também a proteção em casos de ação ou omissão da sociedade ou do Estado, dos pais ou responsável, e em razão de sua conduta. Em seu título III, o ECA prevê a inimputabilidade de adolescentes e crianças menores de 18 anos, assim como as medidas socioeducativas em seu capítulo IV, como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade, ou internação em estabelecimento educacional.

A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) é uma instituição vinculada à Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania e tem por missão aplicar medidas socioeducativas de acordo com as diretrizes e normas previstas no ECA e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) – sistema regulamentador da execução das medidas. A Fundação CASA presta assistência a jovens de 12 a 21 anos incompletos no Estado de São Paulo (já que o período máximo de internação não pode exceder três anos, de acordo com o Artigo 121 do ECA e, assim, a liberação aos 21 anos se torna compulsória). Hoje, a Fundação CASA atende quase 10 mil jovens, segundo dados da própria instituição.

O caso de Deppman trouxe à tona o debate em torno da idade da maioridade penal. A grande mídia brasileira, de caráter concentrado e conservador, encheu seus noticiários com reportagens, artigos e programas em torno do assunto. Os adjetivos mais ouvidos eram “absurdo”, “terrível”, “lamentável”, referindo-se não à imensa desigualdade social no país, que gera mais violência, mas aos índices crescentes e alarmantes da criminalidade, ressaltando o sentimento de impunidade desses jovens. A Fundação CASA cumpre, entretanto, o papel de responsabilização de jovens infratores pelos crimes por eles cometidos, como previsto no ECA. Há aí, portanto, uma confusão entre impunidade e imputabilidade que, segundo o Direito Penal, é a capacidade da pessoa em entender que o fato é ilícito e agir de acordo com este entendimento.

Depois de alguns dias de contínuo endosso nas televisões e jornais, o Datafolha, órgão de pesquisa ligado à Folha de São Paulo – maior jornal diário de circulação nacional do país -, divulgou a conclusão de uma pesquisa à população: “contra ou a favor da redução da maioridade penal”. O resultado já era esperado. 93% dos paulistanos concordam com a redução da maioridade penal, 6% são contra, e 1% não soube responder. Foram ouvidas 600 pessoas e a margem de erro é de 4 pontos. “A demonstração de apoio à redução da maioridade penal revela um apoio a uma solução mais imediatista”, afirmou Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha. Para Luís Fernando Veríssimo, escritor brasileiro, esses casos “extremos” testam a razão da humanidade. Para ele, muitas vezes acabamos “retrocedendo ao tempo da reciprocidade bíblica”. Leonardo Sakamoto, importante jornalista brasileiro e fundador da ONG Repórter Brasil1, declarou, em um de seus artigos sobre o tema que tem medo de “indivíduos maníacos por sangue”, mas tem mais medo ainda de “uma sociedade maníaca por sangue”. “Vingança não é Justiça”, complementa.

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Pastoral da Criança