1) Um grupo de 50 manifestantes ocupou a mesa diretora da
Câmara dos Deputados e exigiu um golpe militar, anunciando – de forma
sebastianista – a chegada de um ''general'' redentor. Defendiam o
fechamento do Congresso Nacional que, segundo alguns deles, estaria
tentando implantar o comunismo no país.
2) Jornalistas apanharam
de manifestantes em um protesto contra o pacote de corte de gastos do
governo do Rio de Janeiro – que, se aprovado, reduzirá direitos de
servidores públicos. Entre os que protestavam, uma grande quantidade de
policiais e agentes penitenciários. Caco Barcellos, um dos maiores
repórteres deste país, foi agredido fisicamente e hostilizado por uma
turba ensandecida de manifestantes sob gritos de
''golpista''. Repórteres do UOL, do G1 e de O Globo também foram
agredidos.
3) Após Gilmar Mendes pedir vistas e interromper um
julgamento sobre uma ação que trata de direitos de trabalhadores (estava
no lado que já havia sido vencido pela maioria dos ministros), ele e
Ricardo Lewandowski bateram boca em plena sessão. O barraco do Supremo
Tribunal Federal, com cada um tentando provar que o outro era mais
leviano no trato com a coisa pública, quebra a imagem de uma
corte constitucional, que deveria ser de diálogo e serenidade.
4) Um engenheiro de 60 anos matou a tiros seu filho, um universitário de 20,
por – de acordo com a polícia – discordar de que o jovem participasse
de protestos estudantis e por ser contra suas preferências políticas – o rapaz seria anarquista. O filho chegou a fugir, mas foi perseguido pelo carro do pai, que o abateu. E, depois, se matou.
São
quatro acontecimentos violentos, frutos do desrespeito a instituições
que são estruturantes de nossa sociedade e do consequente abandono de
regras que balizam os limites de nossos desejos e de nossos atos.
Limites que tornam possível conviver no mesmo pedaço de chão.
Limites
que, deixemos bem claro, nunca valeram para quem é jovem e negro na
periferia de uma grande cidade, indígena e ribeirinho em uma área de
interesse de grandes empreendimentos ou trabalhadores e pobre em geral.
Temos
um déficit de formação para a empatia, para reconhecer no outro alguém
que tem os mesmos direitos que nós. Mas também para a cultura política
do debate – infelizmente, não somos educados, desde cedo, para saber
ouvir, falar, respeitar a diferença e, a partir daí, construir consensos
ou saber lidar com o dissenso. Não somos educados para a tolerância e a
noção de limites.
Ao mesmo tempo em que o aumento do acesso à
internet nos levou a descobrir que nem todo mundo pensa como nós, as
bolhas das redes sociais trouxeram a falsa sensação de que a maioria das
pessoas pensa igual a nós. Daí, muita gente está em estado de guerra
deflagrada. Guerra contra outras pessoas que não concordem com as suas
versões da realidade, tida por eles como verdades absolutas.
Estamos chegando ao fundo do poço? Claro que não. Até porque, lá no fundo, tem um alçapão.
Há
aqueles que se utilizam da justificativa da discussão política para
poder extravasar seu ódio e seu desejo por sangue e demonstrar toda sua
incapacidade de sentir essa empatia pelo semelhante. Ou aqueles que não
conseguem ser contestados ou admitirem ignorância sobre algo sem usar a
agressividade como saída. Fazem isso vomitando política, mas poderia
fazer o mesmo – ou realmente fazem – em nome de seu time de futebol, de
sua religião, de sua cor de pele, de sua origem social – ou de qualquer
outra razão irracional.
Mas é claro que o contexto político do
''salve-se quem puder'' e a crise econômica aumentaram a fervura. Onde
isso vai dar, depende da gente. O esgarçamento institucional atingiu o
Executivo e o Legislativo.
O risco é de ocorrer também com o Judiciário.
E se ninguém acreditar em mais nada, sobrará espaço para um ''salvador
da pátria'', com ''colo de pai'' e ''mão firme'' para evitar que nos
devoremos.
As pessoas acham que a democracia é algo forte. Mas é tão frágil como um folha de papel em branco.
Por
enquanto, vamos transformando o Manifesto Antropofágico, de Oswald de
Andrade, em profecia cumprida. ''Só a Antropofagia nos une. Socialmente.
Economicamente. Filosoficamente.''
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