sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Necropolítica na metrópole: extermínio de corpos, especulação de territórios

Por Juliana Borges

Vivemos em uma sociedade marcada pela lógica neoliberal, racista e patriarcal. São opressões estruturais e estruturantes da constituição de uma sociedade que surge, para o mundo ocidental, com a exploração colonialista e ainda marca, em todos os seus processos, relações e instituições sociais as características da violência, usurpação, repressão e extermínio daquele período. Essas opressões, por sua vez, não ocorrem no plano abstrato, mas circunscrevem os corpos subalternizados.

O processo colonial e as relações de poder têm, como um de seus matizes, o questionamento de identidades. Nesse processo de hierarquização e constituição de estruturas de poder, o colonialismo tem interseccionado, e como imprescindível em si, a racialização de características físicas e aspectos culturais dos povos explorados. Ou seja, os discursos e esteriótipos construídos sobre o corpo e as culturas foram cruciais para o êxito e aceitação do processo colonial. Segundo a antropóloga Avtar Brah, a racialização do poder opera em e através dos corpos. Ou seja, esse discurso e essa representação são indissociáveis do poder político e econômico que constituem. Sem a racialização, o processo colonial e a hierarquização política e econômica teriam, sem dúvidas, maiores dificuldades de serem apreendidas e instituídas. Isso significa que não há hierarquia de opressões. Elas agem interseccionadas e de modo indissociado para a manutenção da estrutura de dominação.

O sociólogo francês Pierre Bourdieu também afirmou a importância da não abstração das opressões ao afirmar que o biológico colocado como diferença pretende construir um atestado de superioridade quando, na verdade, também é fruto de uma construção social. Para ele, é no corpo que se inscrevem as disputas de poder, ou seja, é o corpo que dá materialidade à dominação. O antropólogo e estudioso Levi-Strauss, anos antes, já apresentava questões que apontavam para estas conclusões ao afirmar que a natureza humana é social.

Em Foucault, o corpo é caminho e é por ele que são sentidas as ações das técnicas de poder. Corpo é, portanto, espaço de disputa de disciplinamento e controle. Os aparatos de controle e repressão têm o objetivo de tornar dóceis e moldar os corpos, e eles podem se realizar através de diversas esferas: educação, saúde, sistema carcerário, polícia, etc. É pela disciplina e repressão que as regras sociais são expostas e o corpo sujeitado é obrigado a cumpri-las.

Já o sociólogo camaronês Achille Mbembe formulará o conceito de necropolítica. Ou seja, o poder de ditar quem deve viver e quem deve morrer. É um poder de determinação sobre a vida e a morte ao desprover o status político dos sujeitos. A diminuição ao biológico desumaniza e abre espaço para todo tipo de arbitrariedade e inumanidade. No entanto, para o sociólogo há racionalidade na aparente irracionalidade desse extermínio. Utilizam-se técnicas e desenvolvem-se aparatos meticulosamente planejados para a execução dessa política de desaparecimento e de morte. Ou seja, não há, nessa lógica sistêmica, a intencionalidade de controle de determinados corpos de determinados grupos sociais. O processo de exploração e do ciclo em que se estabelecem as relações neoliberais opera pelo extermínio dos grupos que não têm lugar algum no sistema, uma política que parte da exclusão para o extermínio.

O excessivo uso de força e de agentes repressivos está articulado e indissociado dos interesses do capital especulativo. Mesmo em contextos de ampla exploração, conforme aponta Foucault, a lógica do controle e da exclusão são os lugares negados, os “lugares-não-lugares”, dessas populações vulneráveis na lógica interseccionada do sistema de dominação. Como consequência da lógica da exploração do trabalho, o corpo-máquina, ao desprover-se dessa característica que representa sua única função no interior do sistema capitalista, torna-se desnecessário de controle e tem sequestrada sua atuação política, sendo, com isso, passível de desumanização e aniquilamento.

Clique aqui e leia o texto na íntegra.

* Juliana Borges é pesquisadora em Antropologia na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, onde cursa Sociologia e Política. Foi Secretária Adjunta de Políticas para as Mulheres da Prefeitura de São Paulo (2013).

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