Conheço pessoas inteligentes que não creem em Deus. E
conheço outras, também elas inteligentes, que creem. Então é assunto para além
de qualquer brilhantismo cultural. Inteligente é aquele que lê dentro dos
fatos. Vai além do que se vê: “intus legit”. Não fica na superfície nem na
casca. Vê mais do que o visível. Elucubra, tira conclusões, faz ilações, situa,
vê as concomitâncias, interliga os dados... Enfim, vai mais longe do que os
olhos e os ouvidos.
O discurso sobre Deus terá que ser muito mais
inteligente e racional do que tem sido se quisermos que o mundo volte a procurá-lo
de maneira serena. Há pregadores inteligentes que dizem coisa com coisa. Amigos
ateus gostam de ouvi-los porque o discurso é o de quem sabe por que e no que
crê. Inteligente também é o discurso de muitos ateus que fundamentam suas
dúvidas.
Foi Carl Sagan que disse no seu livro Variedades da Experiência Científica; Uma
Visão Pessoal da Busca por Deus, que o fato de ele dizer que não tinha fé
em Deus não significava afirmar que Deus não existe. Afirmava apenas não crer
nele. Situou de maneira inteligente a questão da fé e da descrença. Quem diz
que Deus existe, está dizendo que crê nele. Mesmo que Deus não existisse, ele
ainda creria nele. Quem diz que não crê está dizendo que não vê provas
suficientes para afirmar que Deus existe. Mesmo que Deus exista, ele continuará
tendo dificuldade de crer.
E não apressemos em chamar de estúpido ou mal
intencionado quem crê ou deixa de crer. Sem compreender os meandros daquela
mente não temos como julgar suas abstrações. O fato de hoje que milhões procurarem
Deus de maneira sôfrega, desfundamentada, histérica, sedenta e famélica e, por
isso mesmo aceitarem tudo sem maiores reflexões é altamente questionador. Sua
fome os submete a pregadores peremptórios e enlouquecidos que esmurram mesas e
altares para expressar suas certezas absolutas, que de absoluto não têm
nada. É puro jogo de cena; melhor
dizendo, impuro jogo de cena! É vitória do marketing religioso sobre a ética da
fé.
No passado e ainda recentemente multidões também seguiram
ditadores e pregadores de ideologias de força, sem jamais questionar aquelas
mortes e prisões. Hitler também dava socos e berrava suas ideias diante de
multidões sequiosas de vitória e resgate da dignidade alemã. A condenação da
Igreja às ideias de Hitler repercutiu pouco nos alemães daqueles dias. O bispo
de Mainz proibiu aos católicos inscrever-se no Partido Nazista. Se o fizessem
não seriam admitidos no sacramento. O motivo não era o ateísmo de Hitler, mas o
tipo de ateísmo que ele apregoava. A diocese de Kohln também emitiu a mesma
proibição. A Igreja não foi ouvida. Racistas e enlouquecidos acreditaram mais em
Hitler do que nos bispos. A mídia daqueles dias e o marketing poderoso do III
Reich derrotaram as cátedras episcopais. Milhões resolveram ouvir o Partido.
Hitler, Stálin e Pol Pot e, não esqueçamos Fidel
Castro mataram e prenderam quem se lhes opunha. Alguns como Hitler assassinaram
sem dó nem piedade milhões de opositores ou pessoas de etnia que desprezavam.
Não o fizeram por serem ateus porque muitos ateus discordaram deles. Fizeram por
acharem que sem as armas não se disciplina um povo e não se derrota um
sistema. Bin Laden e seus seguidores, hoje, usam do mesmo
argumento! Por que dialogar se a violência os leva mais depressa aos seus
objetivos?
O nosso não é um mundo equilibrado, mas nele moram os
que não precisam de Deus e nunca precisaram e cada vez precisam menos. Moram no
mesmo planeta os que precisaram, precisam e buscam os sinais de Deus na sua
vida e no mundo. Também moram ao nosso lado os que vivem depressa, comem
depressa, querem tudo depressa e não poucas vezes também aceitam e proclamam
milagres depressa demais. A serenidade continua sendo uma das melhores provas de
que alguém de fato se encontrou. Encontrando-se é bem mais fácil encontrar
outras respostas.
Respeitemos o ateu e o crente sereno; questionemos os sôfregos,
os exigente e os gritalhões. Não é por que urrava que Hitler estava certo. E
não é porque discursava cinco a seis horas que Fidel tinha razão. Diga-se o mesmo
de outros ditadores de esquerda ou direita e pregadores que falavam com Deus 24
horas por dia!
A busca de Deus não é um jogo de crer ou não crer. E é
muito mais do que fazer torcida, xingar um ao outro e destruir o bom nome da mãe
do juiz. Crer ou descrer com fundamento é coisa para pessoas serenas. Deve ser
por isso que crentes e ateus tranquilos conseguem ser amigos. O mesmo já não se
pode afirmar dos exaltados. Não admitem que as coisas não sejam como eles as
interpretam. Se ainda não leu livros de crentes e de ateus fanáticos perdeu uma
boa chance de ver aonde levam as ojerizas e as intolerâncias!
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