CIDADE DO VATICANO - A decisão de Bento XVI de renunciar foi um gesto
de "realpolitik", pragmático. A avaliação é de um dos principais
vaticanistas, o italiano Marco Politi, que acaba de publicar um livro
sobre o pontificado de Bento XVI. Em entrevista ao Estado, Politi
apontou que, no fundo, a demissão de Bento XVI foi sua "única grande
reforma" nos oito anos de seu pontificado. Mas uma iniciativa que ficará
para a história e fará muitos pensarem sobre o futuro da Igreja.
Segundo
o especialista, a ala mais conservadora da Igreja teria ficado
irritadíssima com Bento XVI por conta de sua renúncia, temendo uma
"desmistificação" do cargo de papa a partir de agora. Eis os principais
trechos da entrevista:
Como foi a reação dentro do Vaticano diante da renúncia?
Os
conservadores temem a decisão. O temor é de que isso possa causar uma
desmistificação do papel do papa. E que, no futuro, um papa possa ser
colocado sob pressão para se demitir em determinadas situações. Mas a
decisão foi muito lúcida e muito bem planificada. Foi um gesto
revolucionário - a única grande reforma de seu pontificado, um exemplo e
um estímulo à reflexão. Na Alemanha, há cardeais que já falam
abertamente de que seria justo colocar um limite de idade para o papa.
Bento XVI completou a reforma de João Paulo II, estabelecendo idades
para cardeais e sua participação no conclave. Agora, mandou a mensagem
de que um papa pode, sim, renunciar. Nos tempos modernos, não se pode
permitir um papa doente.
Fala-se muito de que a renúncia foi um ato político. Como o sr. avalia isso?
Foi
um gesto de realpolitik e de reconhecimento da incapacidade sua de
cuidar da Igreja, pois não basta ser um intelectual ou teólogo. Para
guiar a instituição de 1 bilhão de fiéis, ele precisava de um pulso de
governador.
Há o risco de que católicos no mundo não entendam essa decisão de Bento XVI?
Acho
que a massa dos fiéis entendeu. Muitos ficaram surpresos e, no começo,
desorientados. Mas não houve uma oposição ou mau humor. Na Praça São
Pedro, não vimos nenhum grupo pedindo que ele fique. Entenderam que foi
justamente uma troca de governo. O papa foi muito pragmático.
Quais são as perspectivas para o conclave, diante dessa situação inédita?
Dentro
do conclave, todas as cartas estão embaralhadas. Será um conclave muito
complicado. Em 2005, havia um grupo forte de apoio e de mobilização
pela candidatura de Ratzinger. Mas ele era o único ator mais forte. O
cardeal Martini seria uma opção, mas estava doente. Hoje, temos vários
candidatos. Mas nenhum deles tem um pacote de votos claro. O vencedor
será um candidato de centro. Não poderá ser alguém de continuidade de
Ratzinger. Mas não sabemos se essa pessoa está disposto a fazer as
reformas que a Igreja precisa para enfrentar seus desafios.
Quais são esses desafios?
O
primeiro é a crise de padres. Não há padres para todas as paróquias.
Outro é o papel das mulheres dentro da Vaticano. Há ainda o tema da
sensualidade no mundo moderno, o homossexualismo, o divórcio.
Finalmente, há a questão do papel do papa.
Um papa do mundo em desenvolvimento estaria sendo considerado?
A
primeira questão é se haverá um papa italiano ou não. Os 29 cardeais
italianos no conclave estão sobrerrepresentados. Mas isso não quer dizer
que todos eles queiram um italiano. Há divisões. No passado, eram os
estrangeiros que pediam para que o papa fosse um italiano. Mas há a
impressão depois que os escândalos de corrupção foram revelados de que
muitos querem que a internacionalização do papado continue. Ele poderá
vir da América do Norte ou Sul. Eu dou menos chances aos africanos. Na
América Latina existem vários candidatos. Mas há que ver se haverá um
mais forte que concentre a atenção. Em 2005, no conclave, os
latino-americanos fecharam um acordo de que apoiariam um nome da região
se um cardeal começasse a se destacar.
(ESTADÃO)
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