Meus pais sempre se dedicaram pelos nossos estudos e concentraram suas vidas em cima desse objetivo. Assim como Nem da Rocinha entrou para o tráfico para pagar o tratamento de saúde de sua filha, meu pai também o fez por uma questão familiar. Possibilitar que seus filhos pudessem estudar, ter acesso a oportunidades e uma vida digna que jamais foi possível a ele e a minha mãe.
Desde moleque ele pegava no meu pé com os estudos. Ao primeiro sinal de notas “vermelhas” nos boletins, videogame e escolinha de futebol se tornavam atividades proibidas. Me fazia ler o jornal de esporte para ele, dia após dia – a leitura de periódicos é um hábito que possuo ainda hoje graças a ele. Indisciplina na escola não era tolerada, assim como faltas ou suspensões. Ele dizia que a média lá em casa não era 60 e, sim, 90.
Quando entrei na adolescência, o papo sobre fazer Direito começou. Ele queria um filho delegado. O cargo em si não tinha nenhuma justificativa aparente. O que ele desejava mesmo era um filho formado e em um cargo que valesse como um título, um atestado que você venceu na vida.
Imagina o que era para um cara que ganhava a vida no submundo do comércio varejista tirar um filho do morro e colocar em uma das maiores instituições do país. Seria, efetivamente, vencer a exclusão que o sistema nos impõe. Eu, impressionado pelos detetives policiais dos filmes americanos, me deixei levar e fui tomando gosto pela ideia. Confesso que iniciei a faculdade de Direito, já morando no interior do estado do Rio de Janeiro, também almejando a cadeira de delegado da Polícia Federal.
Como todo bom estudante de Direito, fui percebendo ao longo da graduação que o buraco era mais embaixo e que concurso nesse país virou um negócio, e cada vez mais elitizado. Porém, o curso de Direito se tornou uma paixão.
Não me lembro qual foi a primeira vez que ouvi de meu pai a frase “quando o Joel se formar, eu largo o tráfico”, mas me recordo de ouvir ele dizer isso incessantemente a partir da segunda metade da minha faculdade. Era nítido que ele levava aquela vida apenas para ver o filho com um diploma, fazer “um neguinho virar doutor”. Minha formatura parecia um marco na vida dele, quando tudo o que fez e o que deixou de fazer enfim faria sentido. Seria a prova que aquele tempo exercendo uma atividade demonizada aos olhos de alguns e necessária aos olhos de outros não fora em vão, que os fins, enfim, justificariam os meios.
A realidade é que a favela é um organismo social à parte, em que o traficante tem dinheiro, poder e status social. E sejamos sinceros: a vida dentro desse sistema capitalista gira em torno de alcançar essas três coisas da maneira mais rápida possível. Seja no morro ou no asfalto, em regra, busca-se poder, status e dinheiro. Sem a estrutura familiar que tive, talvez fosse mais difícil não recorrer a esse “atalho”. Como disseram os Racionais nos anos 90, “Tempo pra pensar, quer parar, que cê quer? Viver pouco como um rei ou muito, como um Zé?”
Desde que ouvi essa música pela primeira vez aos 12 anos pensei que viver pouco como um rei fazia muito mais sentido, afinal, só se vive uma vez.
As pessoas do “asfalto” têm a concepção que toda pessoa envolvida no comércio varejista de drogas é um narcotraficante tipo Fernandinho Beira-Mar ou Pablo Escobar, recomendo a leitura de “Acionistas do Nada”, escrito por Orlando Zaccone.
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