Um dos problemas que mais incomodam os estudiosos da área
trabalhista e os dirigentes responsáveis do sindicalismo brasileiro
é a chamada "indústria de sindicatos" - entidades
que são aprovadas por assembléias minúsculas e estatutos
obscuros, interessadas, unicamente, na contribuição sindical.
O que fazer? Acabar
abruptamente com a contribuição sindical compulsória
penalizaria as boas entidades. Acabar de maneira branda daria sobrevida
às que deveriam ter morte súbita. Transformar o compulsório
em voluntário estimularia os que gostam de viajar de "carona"
dizendo: "Por que vou pagar o sindicato se há trouxas que
pagam por mim?"
A questão do
financiamento das entidades sindicais está ligada ao modelo sindical
que se pretende para o Brasil, assunto a ser discutido no Fórum
Nacional do Trabalho. Por ora, deixemos isso de lado, para perguntar:
existe alguma maneira de moralizar os atuais sindicatos aproveitadores?
Em todo o mundo a
vida sindical é sujeita a desvios de conduta. Os Estados Unidos,
por exemplo, vivem esse drama com os 5.426 sindicatos cuja receita anual
é superior a US$ 220 mil. Muitos deles têm apresentado sinais
de corrupção, causando danos aos seus representados (Elaine
Chao, "Demanding transparency from unions", Washington: Department
of Labor, 2003).
Entretanto, por força
de uma lei antiga e em vigor até hoje (Labor-Management Reporting
and Disclosure Act - 1959), os sindicatos (e empresas que se relacionem
com eles) são obrigados a enviar ao Ministério do Trabalho
relatórios anuais detalhados sobre o uso de recursos pagos pelos
empregados, o que permite ao governo ajudar os contribuintes a zelar pelos
seus recursos.
Ocorre que os relatórios
desenhados em 1959 tornaram-se complicados e ineficientes em vista da
esperteza dos contraventores contemporâneos. Por isso, aquele Ministério
está modernizando a referida maquinaria de controle, introduzindo,
inclusive, um sistema de Internet que permite, aos contribuintes, escarafunchar
as contas das entidades sindicais até o último centavo.
Essa obrigação
já existiu no Brasil. Pela redação do art. 551 da
CLT dada pelo Decreto-Lei 8.740 de 19/01/1946, os sindicatos, federações
e confederações eram obrigados a enviar anualmente à
antiga Comissão de Sindicalização do Ministério
do Trabalho, em formulário-padrão, uma minuciosa prestação
de contas, especialmente sobre o uso do imposto sindical.
Hoje isso é
um absurdo, pois a Constituição de 1988 (art. 8.º)
vedou a interferência do Poder Público na vida dos sindicatos.
Ao mesmo tempo, porém, a Constituição manteve a compulsoriedade
do velho imposto sindical.
Surgiu uma arquitetura
intrigante. A Carta Magna garantiu a receita (recursos parafiscal) e dispensou
os sindicatos de prestar contas e serviços aos seus representados
- não precisando dar satisfações nem ao governo (que
garante a compulsoriedade), nem aos seus representados (que pagam a contribuição).
Como são organizações sem fins lucrativos, os sindicatos
não têm, tampouco, obrigação de publicar seus
balanços.
Será que era
isso mesmo o que os constituintes queriam? Ninguém previu que a
inusitada fórmula nos levaria à balbúrdia atual?
Os americanos - que
são os campeões do autocontrole - acham que o governo precisa
entrar no circuito para facilitar aos pagantes o controle de seu dinheiro.
Aliás, nos Estados Unidos, há também uma contribuição
sindical compulsória que deve ser paga por sindicalizados e não
sindicalizados que são cobertos por negociação coletiva.
Só com muita justificativa eles podem se isentar desse pagamento
porque, afinal, ele se destina a cobrir as despesas dos sindicatos nos
trabalhos da negociação coletiva e evitar a proliferação
dos "caronas".
Não estou propondo
copiar nada e muito menos voltar às práticas do autoritarismo.
Estou apenas informando que é possível moralizar os sindicatos
inescrupulosos no modelo atual ou em outro. Dentre eles há que
se reavaliar essa estranha garantia de receita sem obrigação
de prestação de contas e de serviços. Isso não
se ajusta aos dias de hoje, quando se cobram transparência crescente
e responsabilidade constante de todas organizações sociais.
Não há justificativa para os sindicatos ficarem de fora
disso.
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