sábado, 28 de maio de 2011

“Ser masculino ou feminino não depende somente do pênis ou da vagina”

Especialista diz que de alguns anos para cá, temos visto muitas mudanças que envolvem os papeis sexuais na sociedade, tanto as práticas como a maneira como são encaradas no dia a dia 





Por Valldy de Cruz
Diariamente temos contato, de alguma forma, com insinuações de conotação sexual. A impressão, é que tudo converge para uma sexualidade, sensualidade e eroticidade excessiva. O que demonstra que o tema sexo tem deixado de ser um tabu, relegado agora aos mais velhos, e tornado comum o debate sobre o tema nas rodas sociais.
E, como uma das resistências a essa onda sexista, podemos citar os padres, que se mantêm alheios ao sexo e fieis ao celibato. Sem deixar de mencionar o casamento, que vem perdendo sua força mediante casais que preferem namorar eternamente, mantendo apenas um vínculo sexual.
Não podemos esquecer também a explosão de DSTs e AIDS, que mesmo com uma campanha massificada de métodos de prevenção, se alastra como uma epidemia por todo o mundo, conforme matéria veiculada pela Folha de São Paulo, no dia 1º de dezembro – Dia Mundial de combate a AIDS, onde informou que o total de casos de AIDS acumulado no Brasil entre 1980 e junho de 2010 é de 592.914 pessoas.
O sexo, é uma necessidade vital do ser humano, como afirma alguns estudiosos. Mas as pessoas estão desenfreadas com a facilidade e a liberdade que se pode conseguir praticá-lo hoje em dia, deixando de lado valores importantes para a sociedade.
Elder Cerqueira Santos é psicólogo, e professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), mestrado em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS/University of Nebraska-USA) e doutorado pela Universidade dos Estados Unidos, em 2009, recebeu na Filadélfia (EUA), um prêmio da Society for Research on Adolescence (SRA) [Sociedade de Pesquisas Sobre Adolescência] por seus estudos a cerca da violência sexual contra adolescentes. É também coordenador do SEXUS [Grupo de Estudos e Investigações Sobre Sexualidade]. Consultor da World Childhood Foundation (WCF) [Fundação Mundial da Infância], instituição que promove e defende os direitos da infância em todo o mundo, tem experiência na área de Psicologia positiva, com ênfase em desenvolvimento social e da personalidade, atuando principalmente no desenvolvimento da criança e do adolescente, sexualidade e religiosidade.
Com exemplar sinceridade, Elder Cerqueira recebeu a equipe do Repórter.com, para uma conversa franca e sem rodeios sobre sexo, liberdade sexual, homossexualidade e fez esclarecimentos a cerca dos novos papeis sexuais na sociedade.
A seguir, o psicólogo muda de lado, abre a guarda, vai para o divã e fica De frente com Valldy.
  Quais são os novos papeis sexuais da sociedade moderna?
[cruza os braços] Essa pergunta é bem ampla, porque a gente pode falar em termos de papeis de gêneros, tem a questão das novas configurações da mulher na sociedade, como o que trouxe algumas mudanças para o estilo de relacionamentos, casamentos. Mas pode-se pensar também na prática sexual das pessoas, na monogamia, na hetero normalidade, no sexo não heterossexual, no sexo entre adolescentes, na questão diante da AIDS e do HIV. Quer dizer, muita coisa mudou a partir das perspectivas que você pode pensar essas mudanças. Sem dúvida nenhuma, de alguns anos para cá temos visto muitas mudanças que envolvem os papeis sexuais na sociedade, tanto as práticas como a maneira como são encaradas no dia a dia, como se manifestam diariamente, como as pessoas se manifestam e categorizam essas pessoas que praticam essas novas praticas sexual.
De que forma eles se manifestam no dia a dia?
 Eu costumo dizer que mesmo quando a gente não fala sobre sexualidade, ela está presente o tempo inteiro. A gente se relaciona com os outros no cotidiano, a gente está presumindo a sexualidade do outro. A gente avalia a sexualidade do outro o tempo inteiro. É como se estivesse num stand by. Eu digo que a sexualidade gera um impacto muito grande nas relações humanas, mesmo quando o assunto não é sexualidade. A sexualidade influencia muito no que sou. Se sou casado, solteiro ou homossexual a sexualidade influencia muito, muda como as pessoas me enxergam. Então, a sexualidade é parte do que eu sou.
 O que é liberdade sexual segundo a Psicologia?
 Também difícil de definir. Você pode pensar em termos de prática, que a liberdade sexual é uma prática sem barreiras, censura.  Mas você também pode pensar em termos de atitude, de a pessoa encarar com mais tranquilidade a sexualidade do que há um tempo. A mulher pode encarar o seu papel sexual hoje de forma diferente. Por exemplo, anos atrás, uma mulher divorciada era mal vista pela sociedade.  Hoje isso mudou. Eu posso dizer que essa mulher tem mais liberdade sobre suas práticas sexuais. Ela não é mais vista como antigamente. Ela pode casar separar de novo. Mas eu posso dizer que liberdade sexual também e uma forma de agir, ou seja, não sair por ai fazendo sexo com quem quiser.
Nas últimas décadas tem se falado muito sobre liberdade sexual. Estamos realmente vivendo hoje uma revolução sexual?
[fica pensativo] Falam em revolução sexual desde a década de 50 e 60. Eu costumo dizer que isso que eles costumam chamar de revolução sexual ainda não aconteceu. No meu ponto de vista, a gente avançou, mas é demais, e exagerado dizer que vivemos uma revolução sexual.
No Brasil, a sexualidade é encarada de uma maneira muito contraditória. Nosso país é visto como um país do carnaval, da bunda, mas nós somos muito conservadores. Por exemplo, um casal não hetero demonstrando carinho publicamente ainda é visto com olhar torto. A sexualidade quando encarada na mídia, ela tem seus limites. Por exemplo, uma música sexualizada pode tocar no rádio ao meio dia, mas um sexólogo não pode ir ao jornal do meio dia, ao Jornal Hoje que a dona de casa vê, falar de sexo. É muito contraditório chamar isso de revolução. Ainda é cedo.
A Organização das Nações Unidas (ONU), recomenda que crianças a partir dos 5 anos recebam educação sexual. A criança tem uma idade certa para receber orientações dessa natureza?
 Não é uma idade certa. Mas a criança tem que ser orientada. Quando ela faz uma pergunta também tem um limite de compreensão e a gente tem que saber. Sexualidade não implica em falar só de sexo, de sexo com penetração. Falar de sexualidade é falar de corpo, de se preservar, e isso a criança entende e encara de uma maneira aberta.
Pesquisas indicam que jovens com idade entre 12 e 14 anos já estão com vida sexual ativa. Por que os jovens iniciam a vida sexual tão cedo? A superexposição desses indivíduos a conteúdos de cunho sexual na infância tem facilitado isso?
Eu acho que é um alarme afirmar que está tão cedo, porque se você prestar atenção, nas gerações passadas era muito comum engravidar e casar com 15, 16 anos. Eu acho que mudaram algumas expectativas sobre os jovens. A gente quer que o jovem estude, faça faculdade e se forme aos 18,30 anos. Então, quem inicia sua vida sexual com essa idade é visto como precoce, mas isso sempre aconteceu no passado. A primeira relação sexual a gente não tem estatisticamente um marco seguro para dizer que essa idade diminuiu. Tem uma coisa chamada direito sexual do adolescente. Agente não pode julgar o adolescente.  O adolescente tem direito a descobrir sua sexualidade. Todo mundo a parti dos 12, 14 anos começa a experimentar sexo.
                                                                                                       Até que ponto é necessário, se é que é preciso, a intervenção familiar na formação sexual do indivíduo?
É preciso sim. Os adolescentes precisam, a partir da infância, de informações sobre sexo. Se eles não encontrarem em casa, vão encontrar em outro lugar. E eles têm uma ótima fonte de informação, que são os parceiros, os pares. É melhor que tenham uma fonte segura em casa para perguntar a mãe sobre menstruação, camisinha, o que engravida ou não. Eles usam muito a Internet, mas há muita coisa errada na Internet. Cada um escreve o que quer.
Como a sexualidade vem a ser responsável pela construção da personalidade do indivíduo?
Sexualidade e personalidade estão sempre juntas. O que a gente é está extremamente ligado a sexualidade. O fato de ser homem, mulher, ou de ter uma orientação sexual faz diferença. Às vezes a gente exagera e cria estereótipos, o que é ruim. Ao longo da minha vida inteira, a minha experiência com o sexo, com a sexualidade, com os meus relacionamentos, constrói quem eu sou.
É muito fácil para um menino receber estímulos familiares para exercer relações hetero afetivas. No que se refere à homossexualidade, ocorre um boicote por parte da família. Como esse bloqueio pode vir a gerar problemas nessa criança?
Como já foi bastante abordado de uma forma geral, a gente vive uma sociedade hetero normativa, onde o normal é ser heterossexual. A gente tem que entender os dois lados. A gente tem que entender que os pais têm uma expectativa sobre os filhos e, mesmo quando eles vêem que suas expectativas não serão correspondidas, mesmo assim, por um certo tempo, insistem em acreditar no que foge a seus planos. A heterossexualidade ainda é maioria. O problema é achar que a maioria é o certo. E a maioria das famílias pensam assim. Com certeza, isso traz consequências para os adolescentes. Mas o adolescente sabe como vivenciar sua sexualidade, seja enfrentando a família, seja fugindo. Recentemente nos Estados Unidos surgiram diversos casos de suicídios de homossexuais masculinos e femininos, onde deixaram cartas informando que os culpados pelas mortes eram as famílias e que se mataram porque não aguentavam a pressão da família A gente sabe que dados dessa natureza no Brasil não são divulgados, são muito restritos. Nem as famílias são reveladas. A família não vai revelar que o filho se matou por causa da sexualidade. Então, a gente não tem muitos dados, mas imagina que muitos casos acontecem aqui no nosso país.
A nossa cultura, ao que parece, é muito voltada para a sexualidade. Mas no que se refere a expressão de sentimentos para o mesmo sexo, ela se mostra muito arcaica. O que é necessário ser feito para que a mentalidade das pessoas mude em relação a essa questão?
[gesticulando] É uma mudança de valores. É difícil mudar de uma hora para outra uma sociedade que é tradicionalmente machista e hetero normativa. Mas a gente percebe que é muito interessante quando você fala sobre isso. Por exemplo, é comprovado que mulheres aceitam mais gays do sexo masculino do que feminino; já homens heterossexuais aceitam mais lésbicas do que homossexuais masculinos. É bem curioso, mas parece que as pessoas aceitam menos aquilo que questionam elas, que incomoda. A demonstração de carinho entre dois homens é como se fizesse o hetero pensar que aquilo é uma possibilidade racional. É um conteúdo afetivo que ele trabalha de uma maneira irracional. Então, é comum isso acontecer. Isso são valores, cultura.
Recentemente, em São Paulo, um grupo de jovens agrediu um estudante de jornalismo, por acharem que ele era gay. A homofobia, de certa forma, é um desejo reprimido e exteriorizado em forma de violência pelas pessoas?
A homofobia apesar desse nome é uma construção baseada no preconceito, como qualquer outra. Então, esse rapaz que bateu no outro que supôs ser homossexual, ele é preconceituoso, o que poderia levá-lo a bater em um negro, numa mulher que tivesse lá e em quem tivesse na sua frente. É uma manifestação de preconceito. É muito mais das relações sociais, psicossociais do que uma doença, uma patologia, um fenômeno social. Preconceito foi isso o que aconteceu.
Como a psicologia encara a questão da sexualidade de gêneros?
A psicologia tem pensado muito sobre isso. Discutindo gênero e o que trouxe principalmente a discussão para a psicologia foi à questão dos transgeneros, da transexual idade, que fez a psicologia pensar. Veio para o Brasil por causa das questões de saúde publica, da cirurgia de mudança de sexo. A gente dialoga muito com a sociologia, com a medicina, mas não tem uma teoria única que explica a questão de gêneros. Ela tem sido bastante aceita na psicologia. Mas variações podem acontecer. A gente nasce com um corpo que leva a desenvolver o biológico. O gênero ultrapassa o biológico. Ser masculino ou feminino não depende somente do pênis ou da vagina. Claro que existe o fator hormonal, que a gente não pode deixar passar despercebido.
Muito se fala de liberdade sexual entre as mulheres. Sem dúvida, tivemos grandes avanços na manifestação do comportamento sexual entre o público feminino. Mas será que realmente, após tantos anos de movimentos femininos podemos dizer que mudamos o referencial e que as mulheres estão livres para exercer sua sexualidade? As mulheres tem se permitido mais?
 As mulheres tem se permitido mais. Ainda é pouco, mas elas têm conseguido causar um rebuliço. Mulheres divorciadas e mais velhas tem se sentido mais a vontade para se casar novamente. Mulheres também não casam mais tão jovens, querem ficar mais tempo solteiras, não querem engravidar, não querem parir mais. Crianças querem uma, duas, porque pensam na possibilidade do divórcio. Elas assumem mais sua sexualidade com um homem mais novo, falam mais abertamente sobre seus desejos sexuais. As mulheres têm ousado mais.
 O sexo é considerado por alguns estudiosos como uma necessidade básica do ser humano. Isso é uma verdade absoluta?
Sim, de certa forma é, mas há algumas exceções. Há pessoas que conseguem viver sem sexo. Existem pessoas que tem uma orientação assexuada, que não sentem desejo de fazer sexo. Mas isso é minoria. Sexo é um desejo que deve ser satisfeito.
 Com o advento da internet, tornou-se muito mais fácil o encontro de parceiros sexuais. Ela pode ser considerada a responsável pela liberdade sexual verificada na sociedade moderna?
A Internet ajudou muita gente. Se você conversar com jovens e homossexuais, eles vão dizer que a grande onda de informações que tiveram foi com a Internet. A menina também se esconde no anonimato da Internet para ler ou buscar informação. Você não precisa ir a uma banca de revista. Hoje você pode folhear revistas pornográficas em casa, através da Internet, sem que ninguém saiba que você tem acesso a conteúdos dessa natureza. Você pode ver a revista hetero ou gay. Não tem mais a vergonha do jornaleiro. Se a mulher ia comprar uma revista de nu ou gay era um escândalo. Hoje graças a Internet você pode fazer isso sem ninguém vê. Claro que tem uma conseqüência psicológica. A gente hoje, com a Internet consegue expressar coisas da nossa sexualidade que a gente não conseguia antes. Hoje na sala de bate papo a gente pode falar sobre nosso fetiche, desabafar e se masturbar só para descarregar. A Internet causou uma revolução.
Quem prefere namorar eternamente, mantendo apenas um vínculo sexual, na verdade, vê o matrimônio como uma forma de opressão e de impedimento da liberdade sexual?
A gente trabalhou o que a gente chama de mito da monogamia. A monogamia a gente sabe que é uma construção social e a gente tem que saber quais são as consequência. E socialmente, a gente optou pela monogamia, porque mais da metade dos casais trai.
 Mesmo com campanhas massificadas do uso de preservativos, o número de DSTs e AIDS não reduziram, pelo contrário, aumentou. Que tipo de fator justificaria essa resistência a utilização do preservativo?
Não chamaria de resistência. Mas há muito da confiança entre parceiros.  A gente tem uma mudança nas formas de contaminação do vírus. Na primeira fase criou-se o estereotipo de que o homossexual era o grande responsável, depois foi se espalhando entre as mulheres. E a gente sabe que grande número desses casos elas adquirem dos maridos. Ela confia no companheiro, ela namora há muito tempo, ela casa. Tem muita mulher casada descobrindo que é HIV positiva há 6 anos. Mudou o perfil. Se você pegar um grupo de jovens não casados, o uso do preservativo é bom.  O HIV está surpreendendo muita gente que pensava ser imune ao vírus. Tem gente que desenvolve o vírus da AIDS em um ano, mas também há casos em que ele só se desenvolve quando os sintomas da AIDS já estão evidentes. Estudos do Ministério da Saúde indicam que o que mudou foi o perfil, os casos estão acontecendo com populações diferentes. Não é só uma questão de resistência a camisinha. A gente tem muitos fatores. Teve um tempo em que todo mundo dizia: “o coquetel é de graça, ninguém morre de AIDS”. Hoje a gente sabe que não é bem assim. Não é simples viver com o HIV.
 O que é o sexo para o homem moderno? É um simples instrumento de obtenção de prazer?
O sexo sempre foi prazer, não é para o homem moderno. Se a gente pensar em outras sociedades, o sexo sempre foi muito bom para todo mundo. Você vê as relações homo erótica, poligâmicas, no início da história, as casas de prostituição como foram bem difundidas na história dos vilarejos. Assim como as drogas, o sexo sempre esteve presente na história da humanidade.
A filósofa Beatriz Preciado, em entrevista ao jornal espanhol, El Pais, afirmou que “aprender outra sexualidade é como aprender outra língua”. O senhor concorda com tal afirmação?
Em parte. Eu acho que ela quer dizer na forma de encarar o mundo, a própria vida, uma leitura. Porque a gente está sempre aprendendo com a sexualidade. Quer dizer, há algumas pessoas que param. A gente amadurece sexualmente, a gente tem experiências negativas ou positivas. Na cama aprendemos novas posições, novas práticas. Encontramos novos pares que se encaixam muito bem, outros não. Eu acho que a sexualidade é sempre um aprendizado.
A Internet tem sido uma arma poderosa para a liberdade sexual. Em contrapartida, esse meio de se socializar, tão benéfico, tem sido a grande vilã, quando se trata de crimes sexuais?
 É. Por exemplo, a pornografia infantil cresceu muito com a Internet. É muito fácil um aliciador convencer uma criança ou adolescente e ameaçar. A internet pode ser uma vila. Você pode comprar remédio, drogas, roubar dinheiro das pessoas. Não é só para o sexo. Para o sexo ela é também usada como uma ferramenta de crime.

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